Pare de falar de millenials e centennials. Eles são iguais a si

“Quando Jessica Kriegel se propôs a iniciar a sua tese de doutoramento sobre os atributos diferenciadores da geração millenial, deparou-se com um grande problema: não existia nenhum”. Assim começou um artigo, publicado há quase cinco anos na Fast Company, que falava de uma das falácias mais persistentes no mundo do marketing: aquela que insiste que, de vinte em vinte anos, as pessoas começam a nascer com outros ideais, outras preocupações e uma base de crenças muito diferente da geração que as precede.

A obra de Kriegel materializou-se num livro (Unfairly Labeled), que atacava diretamente os estereótipos geracionais e insistia nas vantagens de os evitar a todos os níveis, desde os recursos humanos até ao marketing. Pena é que não tenha conseguido parar a narrativa dominante, aquela que divide e diferencia, porque colide frontalmente com a máquina de destruição de ideias mais implacável que existe: o mundo dos mediae do marketing.

“[Os jovens] têm ideias enaltecidas, porque não foram humilhados pela vida e não compreenderam as suas necessárias limitações; além disso, o seu idealismo leva-os a pensar que estão à altura dos grandes desafios, e isso também significa ter ideias enaltecidas. Preferem sempre fazer coisas nobres em vez de coisas úteis; as suas vidas são mais reguladas pela sua bússola moral do que pelo raciocínio – todos os seus erros vão no sentido de fazer as coisas de forma excessiva e veemente. Exageram em tudo – amam demais, odeiam demais, e assim por diante.”

Poderia ser um editorial do El País, mas a citação é de Aristóteles. E, se mais de dois mil anos não fizeram uma grande diferença na forma como percebemos os mais novos, é ridículo que duas décadas o façam. Estudos de mercado, os meios de comunicação e especialistas de marketing têm vindo a vender-nos o mesmo discurso geracional vezes sem conta, durante demasiados anos. O problema é que continuamos a comprá-lo.

Nos recursos humanos, herdámos o problema que o marketing tem fabricado e parece que temos de nos questionar sobre a forma como abordamos as novas gerações, adaptando a nossa proposta de valor a um novo conjunto de valores e comportamentos, antes com millenials e agora com centennials. Acrescentar um problema a outro já existente e mais antigo: o branding para atrair talento num momento vital cada vez mais precoce.

Agrada-nos a velocidade e acreditar que o mundo se altera rapidamente. Mas, no fundo, a Billie Eilish não deixa de ser a Madonna com unhas de gel.

E a realidade é que a pirâmide de Maslow não perdeu qualquer validade e que as motivações profundas de um adulto de 20 anos não são hoje muito diferentes das de um adulto de 40 anos quando ele ou ela tinha 20 anos. O mundo e a sociedade em que vivemos está a avançar, não por faixa etária, mas como um todo indiferenciado. Se alguém quiser vender-lhe distinção ou uma nova forma de comunicar, tenha cuidado.

Porque se estará a basear no princípio de que, para vender um produto, tem primeiro de haver um mercado que precise dele. E para criar essa necessidade é preciso convencer muita gente de que o mundo gira rapidamente e que as pessoas estão a mudar constante e radicalmente. Portanto, se não queremos ficar alheios às características únicas e misteriosas das novas gerações, devemos contratar uma certa agência ou encomendar os nossos próprios estudos de mercado.

Qualquer pessoa que tenha lidado com eles pode confirmar que existe tanta diversidade dentro de cada uma das gerações como entre elas separadamente. Além disso, abstraindo-nos da idade dos seus membros, todos são marcadamente semelhantes. Como resume o artigo com que abrimos este post: “Há um milhão de fatores que determinam o tipo de pessoa que se é quando se envelhece, e esta faixa etária arbitrária de 20 anos não é uma delas… As características frequentemente atribuídas aos millenials… são simplesmente atributos de certas fases da vida”.

Agrada-nos a velocidade e acreditar que o mundo se altera rapidamente. Mas, no fundo, a Billie Eilish não deixa de ser a Madonna com unhas de gel.