O VÍRUS DA SOLIDÃO
Este ano de 2020 – esperemos que só 2020 – vai ficar para a História. Diz-se que o que não nos mata nos fortalece, e assim esperamos que seja!
Quem ainda consegue ouvir notícias sabe que a palavra do ano é Covid. Algo minúsculo, microscópico, criado pelo homem ou pela natureza que, de um dia para o outro, colocou de pernas para o ar o estilo de vida do ser humano! Independentemente do gosto, ou não, do estilo de vida que a humanidade tinha em inícios de 2020, nos países ditos desenvolvidos, é um facto que esse estilo mudou de vez. Por motivos óbvios fala-se muito de saúde, economia, pobreza. Fala-se muito de teletrabalho – que veio para ficar, embora teletrabalho não signifique ser obrigado a estar em casa à frente de um computador. Fala-se das máscaras cirúrgicas, dos ajuntamentos. A informação chega-nos contraditória e paradoxal. O facto é que ninguém está preparado para conduzir este tema e, por isso, cada país faz o que entende, cada pessoa tem a sua opinião.
Queria aqui refletir sobre o interior das pessoas, sobre o impacto que este estado de guerra – sem bombas, nem tiros – vai provocar a curto, médio e longo prazo, na sua essência e nas suas relações – consigo mesmos, com os outros (família e amigos) e no trabalho (com os colegas). A verdade é que estamos virados do avesso, há oito meses. Às vezes esquecemo-nos, ou queremos esquecer. Esquecemos que os avós e pais de muita gente estão completamente sós, há meses. Esquecemos que muitos não puderam visitar os seus doentes aos hospitais, fazer o seu luto nem enterrar os seus mortos – claro que se podia ir à praia, à Fórmula 1, a festas e a outras coisas essenciais… Esquecemos que as crianças estiveram, meses seguidos, fechadas em casa. Esquecemos que muitas relações rebentaram pela convivência permanente, que exacerbou as diferenças, e muitas famílias começaram a viver como se fechados num reality show. Aquele sentimento que surgiu, em março, de que tudo o que nos estava a acontecer nos iria transformar para melhor – como se de repente toda a gente captasse de uma forma inata a expressão de Milan Kundera, da Insustentável Leveza do Ser – “já passou”! E o pior é que não mudamos nada. Nada para melhor … Não se fala o suficiente sobre saúde mental! Acredito que a ciência vai rapidamente descobrir a “arma” para matar ou neutralizar este vírus – até que outro apareça.
Mas não sei, não sei mesmo, como mitigar, curar, compensar toda a dor, solidão, medo, apatia, revolta que muitos milhões de pessoas estão a experimentar. Como é que os colegas vão voltar a trabalhar em equipa? Como é que os líderes desenvolvem as competências interpessoais e desenvolvem empatia se não existem relações? Como é que as crianças e os jovens brincam ou fazem novas amizades? As mudanças comportamentais que este exílio forçado nos está a causar vão ter repercussões durante muito tempo. Triplicou, neste país, o consumo de antidepressivos e a solidão forçada e prolongada, para algumas pessoas potenciada pelo medo, vai desenvolver seguramente episódios psicóticos em muitos casos. Que bom que tantas aplicações de conferência remota foram inventadas. Mas tenho saudades de tomar café com os meus colegas...