O orgulho da pertença: essa criatura mitológica
Somos um vulcão de paixões. Movemo-nos por motivos que nos falam diretamente ao coração, ao nosso interior, às nossas emoções. Ser Benfica, Sporting ou Porto é motivo suficiente para encher o peito, defender o nosso bairro, a nossa terra ou a nossa equipa e transformar-nos no seu melhor embaixador em todo o mundo. A tradução deste tipo de identificação, quase irracional, com cores clubísticas ou com uma bandeira é possível de replicar num ambiente corporativo. Mas é claro que, as empresas que o conseguem não precisam de uma agência de marketing para isso.
Desde 2015, ano em que fundamos a The Key Talent, temos colaborado com muitas empresas com o propósito de os ajudar a encontrar uma das pedras filosofais dos RH: o compromisso dos colaboradores, ou, como hoje dizemos de modo mais sonante: o employee engagement.
Participamos em inúmeros focus groupsem organizações de todos as dimensões e setores: industrial, consultoria, retalho… e transversalmente, um dos aspetos mais destacado, quase como denominador comum nos colaboradores, foi a ausência do sentimento de orgulho de pertencer à sua empresa.
E não se trata apenas de uma sensação individual de uma pessoa se sentir como um anónimo no meio de uma multidão: dispensável, substituível e invisível naquele grupo enorme de gente. Também se passa o mesmo a nível organizacional: muitos colaboradores não fazem ideia da Visão, do Propósito ou da razão de existência da sua empresa. Do nosso ponto de vista, ambos estão intimamente relacionados.
Tens orgulho da tua empresa?
O que é que o orgulha ou envaidece por trabalhar numa organização? Tradicionalmente, têm sido os resultados do negócio: crescimento, vendas, tudo o que é publicado nos media, a posição da empresa no ranking das marcas mais valorizadas, market share, o Top Employer … Mas esses indicadores de status mais tradicionais deixaram de mostrar a fotografia completa.
Obviamente que as empresas continuam a ser avaliadas por esses indicadores de negócio. Mas, para os colaboradores dos dias de hoje, será isso suficiente para gerar um sentimento de pertença e orgulho mais profundo e criar uma ligação emocional a longo prazo com a empresa? Para alguns, talvez sim; mas para muitos outros, falta algo…
Qual é a razão de ser da empresa para a qual trabalha? Para que é que existe? Que papel tem vindo a desempenhar no mundo, além de gerar lucros para os seus acionistas? Que impacto tem o que faz sobre todos os seus stakeholders, desde clientes e investidores até colaboradores, até à comunidade?
Estes perguntas são colocadas por muitos colaboradores de grandes empresas. E ainda vai mais longe. Já ouvimos diretores de recursos humanos ficarem surpreendidos com o facto dos seus colaboradores colocarem questões que há quatro ou cinco anos seriam consideradas como pura utopia ou ficção científica. A verdade é que o mundo de hoje tem poucas parecenças com o mundo de há 5 anos atrás. Não podemos esperar que as respostas dessa altura continuem a servir para as perguntas que são hoje colocadas.
Nas organizações que conseguiram definir e transmitiressa razão de ser (o seu propósito), a diferença que percebemos relativamente aos sentimentos dos seus colaboradores é clara. Estes acreditam na empresa onde trabalham. Estão seguros da direção para onde caminham e menos receosos relativamente ao futuro. Entendem melhor as decisões que são tomadas (mesmo que não concordem com elas). Estão orgulhosos e sentem-se parte do sucesso da empresa e do impacto positivo que esta possa ter no mundo.
A chave, como quase sempre, é o grau de integração do propósito. Se a sua definição for abstrata e separada da ideia central da organização, então, o seu impacto e, por extensão, o grau de engagementd os colaboradores, será marginal. Se, pelo contrário, estiver integrado na atividade da empresa, os colaboradores veem e ouvem uma história coerente, unificada e movida por uma crença central. Não é algo que possa ser alcançado sem tempo, esforço e dedicação. Mas comprovámos a sua força, principalmente em tempos atribulados como os que vivemos atualmente.
Uma ideia relevante para o propósito no dia-a-dia.
De certeza que esta expressão de colocar sentido nas ideias em função do propósito, lhe faz algum eco. A palavra “propósito” tem vindo a entrar na moda por traduzir ou significar que o propósito é o motor que faz os negócios funcionarem. No entanto, é com muita facilidade que o barramos, travamos e impedimos a abertura do caminho certo na companhia, não permitindo a sua chegada aos colaboradores. E, nestes casos, percebemos que alguns propósitos são apenas palavras bonitas que ocupam um lugar privilegiado na web da empresa ou em cartazes na parede.
Quando essa ideia chave não consegue chegar às pessoas no seu dia a dia, o seu trabalho torna-se apenas isso, um trabalho. Há uma ausência de vínculo com a identidade da empresa, um desconhecimento da razão final para a qual as coisas são feitas. É muito fácil observar isso quando os colaboradores nos falam sobre o que fazem, como uma transação, como um procedimento, mas não sobre os resultados e impacto do seu trabalho, esse bem maior.
E, como sempre acontece, o dinheiro não pode comprar a solução. Qualquer plano de engagement de colaboradores deve ser construído com um propósito. Tudo o resto é fogo de artifício. Mais luminoso, mais alto ou mais colorido. Mas quando a pólvora acaba, o céu volta à sua escuridão. Para estar orgulhoso da empresa para a qual trabalha, a empresa deve começar por estar orgulhosa de si mesma.
Uma excelente forma de mostrar esse orgulho é ser fiel ao seu propósito em tudo que se faça. Impregnar as suas políticas, os seus produtos e a sua comunicação concordante com o propósito, criando orgulho nos seus colaboradores. É então que a magia acontece. De repente, a talent aquisition transforma-se em algo maior do que apenas contratar. Começa-se a falar sobre como cada um pode contribuir individualmente para uma causa maior, sendo facilmente capaz de o transmitir e fazer com que seja entendido por qualquer pessoa.
Este orgulho em pertencer a algo maior tem dois aspetos importantes a considerar. O primeiro – e mais complexo – é o motivo: nem sempre nos podemos orgulhar do que faz a nossa empresa. O segundo, é quando existe motivo, mas este não é devidamente transmitido. Então, pertença significa fazer parte e ser aceite como membro de algo maior. Uma palavra tão simples para um conceito tão generoso. Essa direção comum só pode ser expressa por meio de um propósito simples, memorável e aspiracional. A combinação dos dois elementos é complexa, mas não impossível. Persegui-la compensa. Não vamos deixar que continue a ser um animal mitológico.