IA e Talento: uma relação em construção
Nos últimos anos, temos visto como a Inteligência Artificial (IA) deixou de ser um conceito futurista e se tornou um elemento-chave na gestão de talentos. Mas mais do que uma revolução, estamos a viver uma adaptação: as regras do jogo estão a mudar, e o desafio não é sobreviver, mas aprender a jogar melhor.

Como chegámos até aqui
Desde 2015, a digitalização redesenhou o panorama do talento em três grandes movimentos:
- Adoção da nuvem: As empresas deixaram os seus servidores para trás e adoptaram plataformas de nuvem mais escaláveis e acessíveis.
- Da papelada às experiências: automatizar processos já não era suficiente; melhorar as pessoas e a experiência do utilizador (UX) tornou-se o objetivo final de qualquer empresa.
- A reinvenção como norma: Surgiram novas funções e as competências digitais tornaram-se a moeda de troca do emprego.
Como é que isto se repercutiu na gestão do talento?
Durante estes anos, a aposta na digitalização do talento teve dois eixos principais:
- Formação digital: Não bastava incorporar a tecnologia, era necessário preparar os profissionais para a utilizar. Isto levou à criação de novas profissões digitais e à necessidade de formação contínua.
- Automatização do ciclo do talento: a tecnologia redefiniu a forma como as empresas gerem a sua força de trabalho:
- Recrutamento: Passámos dos currículos em papel para a guerra pelo talento. Cabe agora às empresas atrair candidatos, com processos de recrutamento mais ágeis e personalizados.
- Onboarding: Os processos foram automatizados para tornar a integração de novos funcionários mais fluida e eficaz.
- Avaliação e desenvolvimento: As aplicações e plataformas SaaS optimizam a gestão do desempenho, a aprendizagem e a compensação.
- Offboarding: A saída de um indivíduo da organização também foi digitalizada, permitindo a recolha de dados valiosos para melhorar a retenção de talentos.
Após uma década de digitalização, enfrentamos dois desafios fundamentais para os próximos 10 anos:
- Os dados existem, mas nem sempre são úteis: as empresas acumularam informações sobre os seus funcionários, mas agora enfrentam um novo problema: a qualidade desses dados. Sem informações exactas e relevantes, as decisões estratégicas perdem impacto.
- Um novo ator entra em cena: a IA: se a transformação digital de 2015 já era um desafio, o advento da IA representa um desafio ainda maior.
As 3 estações da IA
Os especialistas prevêem que a IA irá mudar o emprego em três fases, cada uma com a sua própria bagagem:
- A era da IA criativa (hoje): Já utilizamos a IA para gerar texto, imagens e conteúdos, simplificando tarefas repetitivas.
- De assistentes a estrategas (próximos 5 anos): Veremos agentes de IA mais sofisticados, capazes de tomar decisões e antecipar problemas antes que estes ocorram.
- A fronteira da autonomia (próximos 10 anos): A Inteligência Artificial Geral (AGI) poderá igualar o pensamento humano em vários domínios, abrindo novas possibilidades mas também novos dilemas.
Uma breve introdução ao trabalho com a IA
Não é uma questão de “máquinas versus humanos”, mas sim de como o talento humano complementa esta tecnologia. Eis algumas pistas sobre o que nos espera:
Serão criados mais empregos do que destruídos.
De acordo com o Fórum Económico Mundial, em 2024, mais de 92 milhões de empregos serão eliminados, 170 milhões de novos empregos serão criados e, mais importante ainda, os restantes empregos terão de trabalhar lado a lado com a inteligência artificial. Isto implica a necessidade de planear o impacto que isto terá em cada empresa (planeamento da força de trabalho).
Fonte: Fórum Económico Mundial, Inquérito sobre o Futuro do Emprego 2024; Organização Internacional do Trabalho, ILOSTAT.
O emprego deixará de ser estanque e passará a ser dinâmico.
De acordo com o último relatório do LinkedIn, nos próximos anos, uma pessoa mudará de emprego, em média, 10 vezes durante a sua vida ativa. Este número é o dobro do registado há uma década e, juntamente com a necessidade de se adaptar constantemente a novas funções, exigirá uma reinvenção contínua.
Esta mudança transforma completamente a gestão de talentos: já não é suficiente estruturar o trabalho de acordo com funções fixas, mas as empresas devem adotar uma abordagem baseada nas competências. Por outras palavras, em vez de se concentrar no que um posto de trabalho exige hoje, é essencial desenvolver competências que permitam aos profissionais responder às necessidades do futuro.
Fonte: LinkedIn Economic Graph Research Institute
Criatividade e empatia, os novos superpoderes.
Os avanços na Inteligência Artificial permitiram que sistemas em áreas como a lógica-matemática, o reconhecimento visual e auditivo igualassem ou mesmo ultrapassassem as capacidades humanas. Espera-se que, dentro de pouco tempo, atinjam também um nível comparável no domínio da linguagem e da compreensão espacial.
No entanto, há um território em que a IA ainda não conseguiu competir connosco: a inteligência emocional. Competências como a consciência, a empatia e a criatividade original continuam a ser exclusivamente humanas e, pelo menos a curto prazo, representam o nosso maior valor diferencial no mundo do trabalho.
Como se preparar para este futuro
1. Estratégia defensiva: proteger a empregabilidade
Para aproveitar o potencial da IA sem ficar para trás, na minha humilde opinião, é essencial agir de duas perspectivas:
As empresas devem garantir que os seus empregados têm os conhecimentos e as competências de que necessitam para se manterem relevantes. Isto implica:
- Dados de qualidade sobre as pessoas na organização: Não basta recolher informações; certifique-se de que são úteis e relevantes.
- Formação contínua: não só em competências técnicas, mas também em capacidades que aumentam o valor humano, como a adaptabilidade e a resolução de problemas.
Estratégia ativa: utilizar a IA como aliada
Em vez de temerem esta tecnologia, as organizações podem utilizar a IA para melhorar a tomada de decisões em matéria de talentos. Algumas das principais aplicações são:
- Medir o que antes parecia intangível: as competências transversais já não são um mistério. A IA pode ajudar a avaliá-las e a melhorá-las.
- Certificar as competências técnicas (hard skills) e validar os conhecimentos de uma forma mais objetiva.
- Prever os riscos de rotatividade e antecipar estratégias para reter os melhores desempenhos.
- Personalizar a aprendizagem para que cada profissional possa desenvolver o seu potencial de acordo com os seus interesses e o futuro da empresa.
IA e talento, uma aliança necessária
A Inteligência Artificial não é uma ameaça ao talento humano, mas uma ferramenta que redefine o trabalho. As empresas que compreenderem esta mudança e a integrarem na sua estratégia ganharão uma vantagem competitiva.
Mas a chave continua a ser a mesma de sempre: investir nas pessoas.
O futuro do trabalho não será sobre humanos versus máquinas, mas sobre a forma como trabalhamos em conjunto para criar algo melhor.